Clara Quintela – The Textile Lab

Clara fala de seu amor pelo tricô, do sentimento de ser estrangeira em Montreal e da importância de não ficar em pijama o dia todo. 🐑📍👕

NB: decidi de escrever este artigo em português, que estou estudando no YMCA de Montreal. Visitez cette page pour la version française.


Encontrei a Clara em seu atelier, no Mile End. Perdi-me muitas vezes antes de encontrá-lo, mas uma vez lá, tivemos a sorte de conversar sobre suas viagens, desde sua cidade Fortaleza até Montréal.

O que é seu projeto?

Clara é uma tricoteira, e esse projeto se define de diferentes maneiras. Primeiramente, ela dá aulas de tricô, e cria receitas para ajudar as pessoas a tricotar peças. Ela também fia e tinge meadas de lã para tricotar, as quais vende online. Além disso, ela é estudante, voltando à escola depois de alguns anos, no programa de arte têxtil da universidade Concordia. Tudo que ela faz vem de seu amor pelo tricô.

De onde veio a inspiração?

“Sou de Fortaleza, e toda minha vida eu queria sair de porque não me dava bem com a cidade. Resolvi me mudar para São Paulo. Lá, enquanto procurava um trabalho, eu não tinha rede social, e não saía muito. Uma amiga que sabia que eu gostava de trabalhos manuais me convidou para um encontro de tricô no café de um museu, e que era composto de mulheres que se reuniam pela internet para tricotar mensalmente. Eu nem sabia tricotar ainda, mas gostei da ideia. Até então, eu só fazia crochê que aprendi com a minha tia e avó. A ideia do grupo era tão sensacional e pioneira que dentro de muito pouco tempo a coisa cresceu muito, principalmente naquele tempo, no começo da web, quando não existiam muitos blogs com tutoriais e receitas particularmente em português!

Num dado momento, eu ainda era jornalista mas levava uma vida dupla. Quando cheguei em Montréal, em 2012, com meu marido, ele me perguntou o que eu queria fazer aqui. Eu não sabia. Poderia voltar a estudar e fazer enfermagem, ou confeitaria e começar uma nova carreira. Ele insistiu me perguntando o que eu gostava de fazer?, quando finalmente eu respondi que a única coisa que podia fazer da manhã até a noite sem enjoar era o tricô! [risos] Foi quando tudo começou.

Então, com esse pensamento, precisava encontrar um emprego! Seis meses depois de chegar, conheci a Céline Barbeau, que ia abrir uma loja de tricô (La maison tricotée) e que precisava de uma professora. Foi o meu primeiro trabalho aqui. Quando comecei, não me sentia confortável dando aulas em francês nesta época, mas ela tinha dito que eu poderia ensinar em inglês. Eu aceitei e, um tempo depois, eu dava minha primeira aula… em francês! [risos]

Depois de quase três anos trabalhando na Maison, decidi partir sozinha, e agora dou aulas particulares no meu studio, vendo lã e tudo mais!

O que é difícil?

Durante muitos anos, queria deixar Fortaleza. Mas durante meus anos em SP, e particularmente agora em Montreal, me sinto estrangeira. Depois que a gente sai de casa, nunca mais temos a sensação de pertencer a um lugar – nem ao lugar de onde saímos. Conheci muita gente nova, grupos de pessoas bacanasão. Mas acho que nunca vou me sentir como uma Montrealesa um dia.

Depois, voltei a estudar em um programa de artes, depois de 15 anos desde a minha primeira graduação em Jornalismo. O sistema de educação aqui é completamente diferente do sistema brasileiro. Sou tricoteira, mas na minha prática artística arte utilizo principalmente o bordado como mídia. O difícil de fazer arte aqui é que venho de uma cultura completamente diferente. É uma lição de humildade o que estou aprendendo. Enquanto meus amigos no Brasil aplaudem meus trabalhos, os daqui não entendem muito bem porque escolho certos temas e uso certas metáforas. Para esses, o que eu faço não faz o menor sentido (risos).

Quais são umas lições que você aprendeu?

Quando ensino, é importante incluir a autonomia dos estudantes na aula. Eu não quero ter alunos dependentes. Ensino para que eles entendam como a coisa funciona e possar achar eles mesmos as respostas que precisam. Por esta razão, eu gosto também de dar aulas que duram várias semanas, para que os estudantes possam voltar com perguntas diferentes a cada vez, e isso dá tempo para que eles pratiquem.

Este ano, eu quebrei o braço e não pude tricotar durante semanas. Foi um suplício! Mas isso me deu tempo para refletir sobre as coisas mais importante que estava fazendo e ajustar meu foco, tirar o que não estava funcionando para ir adiante.

Aprendi que as culturas tricoteiras franco-canadense e anglo-saxon são diferentes, e que é importante encontrar um grupo que compartilhe seus valores e sua cultura de trabalho.

Por fim, eu digo: não fique em pijama o dia todo! [risos] Tive um momento na minha vida quando trabalhava em casa e tricotava ou dia todo. Todo dia! Não tinha diferença entre domingo e segunda-feira. Percebi o quão importante pela nossa saúde mental que você troque de roupa e saia de casa. É uma das razões porque inaugurei um atelier. Agora eu sei que horas eu começo a trabalhar e que horas meu expediente termina. Rotina é necessária quando se trabalha sozinha.

Obrigado por tudo, e pela inspiração!

De nada!


Para mais informação sobre Clara e seus projetos, visite seu sítio web.